Por Gabriel Dudena de Faria (bolsista Probolsas) e Daniel Christian Henrique
Os mercados do Reino Unido e da União Europeia são extremamente dependentes do gás natural, tanto para geração de energia quanto para aquecimento das residências, comércio e indústrias. Neste contexto, a Rússia se tornou nas últimas décadas um dos maiores parceiros destas regiões, visto ser um grande detentor desta commodity em seus territórios, assim como pela maior proximidade territorial com o continente europeu, viabilizando inclusive a construção de gasodutos bilionários – após acordos contratuais entre as partes. O maior gasoduto construído é o Nord Stream, entre a Rússia e a Alemanha.
Porém, em decorrência do início da guerra entre Rússia e Ucrânia, seguido pelas restrições impostas pelos russos neste fornecimento, os países europeus se viram na necessidade de compra em maior volume do gás natural liquefeito (GNL) – que chega à participação de 40% no mercado europeu. Adicionalmente, com a proximidade do inverno no hemisfério norte, a cada mês contabiliza-se aumentos nos preços do gás liquefeito (EPBR. 2022). Neste contexto, uma das regiões mais fortemente afetadas foi o Reino Unido, vendo-se obrigado a buscar mundo afora a importação dessa tipologia de gás, que dispensa gasodutos e pode ser transportada por navios-tanque de GNL, assim como por rodovias via carretas criogênicas.
Adicionalmente, segundo o relatório da E3G (2022), os preços recordes do gás liquefeito no Reino Unido não são apenas decorrência de um único fator, mas sim de uma “tempestade perfeita” que elevaram mundialmente o preço do gás GLP, sentidos inclusive no Brasil, que arrecada recordes atras de recordes em seus aumentos de preço (CLIQUE AQUI e veja nosso informe sobre as elevações do GLP nas capitais do Brasil). O relatório cita os seguintes fatores simultâneos para as elevações das cotações da commodity:
- Covid-19: em dois anos de restrições da pandemia, houve a diminuição da produção de gás e de investimentos no setor;
- Mudanças climáticas: um inverno rigoroso na Ásia elevou a demanda por gás liquefeito e suas cotações na Ásia;
- Diminuição do fluxo de gás no gasoduto Russo: também sofreu com redução dos investimentos durante a pandemia e com inverno mais rigoroso em 2021, reduzindo seu armazenamento. Ainda, como já dito, frente a escalada da Guerra na Ucrânia e tensões geopolíticas com o Ocidente, Europa e Reino Unido, o país reduziu em 1/3 sua exportação ao continente europeu e ao Reino Unido.
No somatório destes fatores, a energia se tornou o principal componente da inflação europeia, chegando a 38,8% em agosto de 2022 (EUROSTAT,2022). A lógica é simples: o aumento do preço do gás eleva o preço da energia que, por sua vez, encarece os processos de fabricação, comercialização, prestações de serviços, etc. Consequência: aumento da inflação. Até este mês de setembro, a inflação na Zona do Euro bateu novamente seu recorde, atingindo um acumulado de 10% em um ano (INFOMONEY, 2022). Considerando apenas o Reino Unido, os valores também são altos: 8,6% em um ano até agosto (OECD, 2022).
Considerando essa problemática exposta, esse informe tem o intuito de analisar os impactos do preço do gás natural liquefeito na inflação na zona do euro e no Reino Unido.
A metodologia abordada e mais adequada para o propósito é a dos Vetores Autorregressivos (VAR). Para este propósito, analisou-se os p-values de aprovação dos coeficientes na equação preditiva para identificar os meses de atraso de cada variável independente que geram impactos na variável dependente; seguido pela confirmação da previsão pela ferramenta Causalidade de Granger. Os bancos de dados utilizados nas coletas foram os listados a seguir, acompanhados de suas siglas utilizadas nas programações:
Foram abordadas séries temporais mensais, coletadas entre julho de 2012 até agosto de 2022 (último mês no qual os bancos de dados tinham informações disponíveis) - todas em primeira diferença para obtenção de sua estacionariedade (conforme visto no quadro em seguida). Foram utilizados os testes de estacionariedade: ADF (Augmented Dickey & Fuller) e KPSS (Kwiatkowski Philips Schmidt e Shin), no qual vindo a obter a aprovação em um deles, a variável era mantida nas análises.
Variável | Diferença | Teste de Estacionariedade | p-value |
Gás Natural Liquefeito | 1 | ADF | 0.01225 |
Inflação da Zona do Euro | 1 | ADF | 0.01827 |
Inflação do Reino Unido | 1 | KPSS | 0.01227 |
Inflação da Energia na Zona do Euro | 1 | ADF | 0.01 |
Inflação da Energia no Reino Unido | 1 | ADF | 0.01 |
Para averiguação dos resultados, foram considerados as aprovações de p-values das equações do Vetor Autorregressivo, confirmadas posteriormente pela a Causalidade de Granger - que inspeciona algum possível inter-relacionamento entre as séries. A melhor ordem obtida para os vetores foram com 4 lags.
Granger Causality | |||
Y | X | p-value | Situação |
Inflação do Reino Unido | Gás Natural Liquefeito | 0.01514 | Aprovado |
Inflação do Reino Unido | Inflação da Zona do Euro | 1.566e-05 *** | Aprovado |
Inflação do Reino Unido | Inflação da Energia no Reino Unido | 0.0001896 *** | Aprovado |
Inflação do Reino Unido | Inflação da Energia na Zona do Euro | 1.036e-12 *** | Aprovado |
Conclusões:
A inflação no Reino Unido está sofrendo impactos do(a):
- Gás Natural Liquefeito com 2 meses de atraso;
- Inflação da Zona do Euro com 3 e 4 meses de atraso;
- Inflação do próprio Reino Unido com 1, 2, 3 e 4 meses de atraso;
- Inflação da Energia da Zona do Euro com 1 e 4 meses de atraso;
- Inflação da Energia no Reino Unido com 1, 2, 3 e 4 meses de atraso.
Granger Causality | |||
Y | X | p-value | Situação |
Inflação da Zona do Euro | Gás Natural Liquefeito | 0.1555 | Reprovado |
Inflação da Zona do Euro | Inflação do Reino Unido | 0.04483 | Aprovado |
Inflação da Zona do Euro | Inflação da Energia no Reino Unido | 0.01293 | Aprovado |
Inflação da Zona do Euro | Inflação da Energia na Zona do Euro | 0.01635 | Aprovado |
Conclusões:
A inflação na Zona do Euro está sofrendo impactos do(a):
- Inflação na própria Zona do Euro com 2 e 4 meses de atraso;
- Inflação no Reino Unido com 4 meses de atraso;
- Inflação da Energia na Zona do Euro com 1, 2 e 3 meses de atraso;
- Inflação da Energia do Reino Unido com 1 e 3 meses de atraso;
Importante destacar que apesar da reprovação no teste de Causalidade de Granger, houve forte aproximação à aprovação, mas não o suficiente. Adicionalmente, como o quarto mês de atraso do gás na equação preditiva do VAR impactou na inflação da zona do Euro e a inflação da energia do Reino Unido impacta diretamente na inflação da Zona do Euro, cabe averiguar em seguida (no tópico 3) se o gás liquefeito possibilita previsões da inflação no Reino Unido - pois desta forma gera uma relação indireta com a inflação da Zona do Euro.
Granger Causality | |||
Y | X | p-value | Situação |
Inflação da Energia no Reino Unido | Gás Natural Liquefeito | 7.969e-06 | Aprovado |
Inflação da Energia no Reino Unido | Inflação da Zona do Euro | 2.397e-10 | Aprovado |
Inflação da Energia no Reino Unido | Inflação do Reino Unido | 0.0005994 | Aprovado |
Inflação da Energia no Reino Unido | Inflação da Energia na Zona do Euro | 7.183e-15 | Aprovado |
Conclusões:
A inflação da Energia no Reino Unido está sofrendo impactos do(a):
- Gás Natural Liquefeito com 1 e 3 meses de atraso; portanto o gás liquefeito atua indiretamente na inflação da Zona do Euro pois esta sofre influência da energia do Reino Unido
- Inflação da Energia na Zona do Euro com 1, 2, 3 e 4 meses de atraso;
- Inflação da própria Energia do Reino Unido com 2, 3 e 4 meses de atraso;
- Inflação da Zona do Euro com 2 e 4 meses de atraso;
- Inflação do Reino Unido com 2 e 4 meses de atraso.
Referências:
EPBR. Guerra triplica dependência europeia por GNL. (2022)
INVESTING.COM. UK Natural Gas - Nov 22 (NGLNMc1) (2022)
OECD (2022), "Prices: Consumer prices", Main Economic Indicators (database) (2022)