20 Feb
20Feb

Por Daniel Christian Henrique, João Carlos Prats Ramos (Bolsista de pesquisa Pibic), Luiz Ricardo Mendes da Silva, Eduardo de Souza Ronsoni e Jucemar Paes Neto

O Brasil vive uma triste contradição nos últimos anos, que agrava-se na situação atual de pandemia: enquanto a cesta básica sobe, o rendimento médio do trabalhador cai. Segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), de janeiro de 2019 a janeiro de 2021, todas as capitais do país acumularam alta no preço de suas cestas básicas. O DIEESE ainda estima outros comparativos em paralelo: (1) quanto deveria ser o valor do salário mínimo do brasileiro necessário para manutenção de uma família com quatro pessoas com os gastos essenciais de alimentação, educação, moradia, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência: R$ 5.304,90, nada mais, nada menos, que 5,08 vezes o valor do atual salário mínimo de R$ 1.039,00; (2) na comparação do custo da cesta básica com o salário mínimo líquido (após descontar gastos com a previdência social), averiguou-se que o trabalhador com renda mínima separa 56,57% de sua remuneração para compra dos produtos da cesta (DIEESE, 2021a; DIEESE, 2021c).

Nas análises do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicadas (IPEA) nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE), observam que em novembro de 2020, os rendimentos médios da população foram 93,7% de sua renda média habitual, sendo que para os trabalhadores sem carteira, esse percentual foi de apenas 85,4% (IPEA, 2021). Decorrido estes resultados, emerge a questão: haveria um relacionamento dependente dos reajustes dos rendimentos médios dos trabalhadores (não especificamente o salário mínimo) com os preços da cesta básica nas capitais brasileiras? Ainda, as elevações ou baixas dos rendimentos médios ocasionariam reajustes dos preços das cestas básicas?

Para realização da pesquisa, coletaram-se dados trimestrais dos valores das cestas básicas por capital no DIEESE (2021b) para o período compreendido entre janeiro de 2012 a dezembro de 2020. Os dados dos rendimentos médios por trabalhador nas capitais foram obtidos no IBGE (2021), para os mesmos períodos. Algumas capitais não dispunham dos dados completos referentes a cesta básica, não possibilitando executar as análises para estas cidades. Para encontrar a relação de dependência de uma variável sobre a outra nos dois sentidos, abordou-se a metodologia dos Vetores Autorregressivos (VAR) com uso do seu ferramental da Causalidade de Granger e dados trimestrais. Cabe destacar que, pelo fato dos dois sentidos de influência (Cesta (X) → Rendimento (Y) e Rendimento (X) → Cesta (Y)) serem efetivamente buscados por esta pesquisa, diferentes defasagens foram analisadas, elencando a melhor para cada sentido ora analisado. Em um primeiro momento, esperava-se que possíveis relacionamentos entre a cesta básica nos rendimentos fossem mais curtos, enquanto que o impacto dos rendimentos na cesta básica fosse com maiores defasagens. Nenhuma das análises foi em nível, sempre sendo necessário transformar as variáveis para a primeira ou segunda diferença para aprovação no teste de sua estacionariedade.

Os resultados são os apresentados na tabela em sequência através da Causalidade de Granger:

Região Nordeste:

NATAL - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.0023055
RendimentoCesta BásicaAprovado0.06035
ARACAJU - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.097646
RendimentoCesta BásicaAprovado0.025222
SALVADOR - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.011846
RendimentoCesta BásicaAprovado0.017042
JOÃO PESSOA - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoReprovado0.66151
RendimentoCesta BásicaReprovado0.63241

 

Região Sul: 

PORTO ALEGRE - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.067881
RendimentoCesta BásicaReprovado0.64851
CURITIBA - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticalag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.067018
RendimentoCesta BásicaReprovado0.83578
FLORIANÓPOLIS - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticalag
Cesta BásicaRendimentoReprovado0.40172
RendimentoCesta BásicaAprovado0.012752

 

Região Sudeste

RIO DE JANEIRO - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.090655
RendimentoCesta BásicaAprovado0.040765
BELO HORIZONTE - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.0040151
RendimentoCesta BásicaAprovado0.037788
VITÓRIA - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.020810
RendimentoCesta BásicaReprovado0.73710
SÃO PAULO - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.093249
RendimentoCesta BásicaAprovado0.078966

 

Região Centro Oeste 

BRASÍLIA - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoAprovado0.058621
RendimentoCesta BásicaAprovado0.045292
GOIANIA - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoReprovado0.6132
RendimentoCesta BásicaReprovado 0.90032

 

Região Norte 

BELEM - Causalidade de Granger
YXResultadoEstatísticaLag
Cesta BásicaRendimentoReprovado0.40589
RendimentoCesta BásicaAprovado0.030549


Já é possível notar uma forte evidência: dentre as 14 capitais analisadas, em 64% delas (9 capitais) os valores da cesta básica causam impactos nos rendimentos dos trabalhadores. Em quatro delas essa relação ocorre rapidamente, com uma variação no preço da cesta básica impactando o rendimento do trabalhador já dois trimestres à frente (2 lags), sendo elas: Brasília, Florianópolis, Salvador e Aracajú. Os relacionamentos defasados mais altos foram para Belém e Belo Horizonte, com um atraso de 9 e 8 trimestres respectivamente. As capitais que não aportaram tal relação foram apenas: Vitória, Goiânia, Curitiba e João Pessoa. Na média, dentre as capitais com aprovação na refutação da hipótese nula na Causalidade de Granger, houve 4,5 trimestres de lags na geração desta influência.

Esperava-se que os impactos da cesta nos rendimentos obtivessem um atraso mais curto em relação aos impactos dos rendimentos na cesta, porém constatou-se que os rendimentos médios contribuem às previsões dos preços das cestas básicas com 4,3 trimestres de média entre lags aprovados nas capitais nesta segunda relação analisada, levemente mais rápida. Em colaboração a este achado, o percentual de capitais nesta segunda equação foi maior, alcançando 71% daquelas cidades. Um próximo estudo procurando relacionar os dados de inflação destas cestas básicas originários das altas ou baixas nas demandas de seus produtos que as flutuações nos rendimentos médios dos trabalhadores ocasionam em cada capital enriqueceria esta análise, a ser desenvolvida futuramente pelo GPFA.

As capitais com a transmissão mais rápida dos rendimentos para os preços de suas cestas foram Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre: todas com apenas um trimestre de defasagem na configuração de seus vetores autorregressivos. As capitais com maior atraso na transmissão foram Vitória e São Paulo, com 10 e 9 trimestres de lags respectivamente. Capitais que não foram significativas nesta segunda métrica de equação foram: Goiânia, João Pessoa e Belém. Goiânia mereceria um estudo a parte, visto ter obtido reprovação nos dois sentidos de análise, incluindo p-values muito altos em seus resultados de refutação da hipótese nula da Causalidade de Granger.

Referências 

DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2020/202001cestabasica.pdf. Acesso em 18 fev. 2021a. 

DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Banco de Dados Cesta Básica e Alimentos. Disponível em: https://www.dieese.org.br/cesta/. Acesso em: 07 jan. 2021b.

DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Tomada especial de preços de dezembro de 2020 e do ano de 2020. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2020/202012cestabasica.pdf. Acesso em 17 fev. 2021c. 

IBGE. Instituto Brasileiro de Economia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/rendimento-despesa-e-consumo/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=series-historicas. Acesso em 15 jan. 2021. 

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. Trabalhadores brasileiros receberam 93,7% da renda habitual em novembro. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=37310. Acesso em 18 fev. 2021.


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