Spread é o conhecido lucro bancário, tão discutido nos noticiários e canais financeiros. Por um simples fato: é um dos mais altos do mundo desde 1997 (IPEA). Na seara política, partidos vão, partidos vêm, e todos prometem arrefecer o spread dos bancos, mas nada nunca acontece de fato.
Matematicamente, nada mais é que a diferença entre o que o banco cobra de juros dos tomadores de empréstimos e os juros que o próprio banco paga para quem foi lá depositar/ofertar seus recursos excedentes (ofertadores) (XP Expert). Claro, o juro para quem tomou dinheiro emprestado é maior que o juro recebido pelos que depositaram seus recursos, gerando um lucro para o banco. Em outras palavras, trata-se seguinte diferença:
SPREAD BANCÁRIO = Taxa de Empréstimo (tomadores de recursos no banco) - Taxa de Captação (ofertadores de recursos ao banco)
O setor bancário junto a Febraban alegam a manutenção de sua lucratividade em níveis tão altos frente aos elevados riscos envolvidos com os altos padrões de inadimplência, tributação brasileira exorbitante, taxa básica de juros, custos administrativos, fundo garantidor de crédito, dentre outras justificativas. No Brasil, a cada R$ 1,00 de calote tomado nos empréstimos pelos bancos, recupera-se apenas R$ 0,13 (Infomoney, Diário do Nordeste, Senado Notícias, Suno, XP Expert). Todavia, importante destacar que outros setores também arcam com dispêndios semelhantes e não conseguem obter um lucro tão elevado na comparação ao seu segmento no mundo.
No sentido contrário, segmentos do mercado, de institutos de pesquisa e de governos apontam algumas razões adicionais para composição deste spread: complementam que apesar dos reais problemas citados pelos bancos, a principal razão do maior spread mundial ser brasileiro (às vezes ficando em segundo ou terceiro lugar, perdendo para Zimbábue e Madagascar) é a falta de concorrência, visto que o setor bancário nacional é formado por um oligopólio de apenas 5 grandes bancos (Dieese, XP Expert, Senado Notícias, Suno). Segundo contabilização do Economatica, em plena pandemia no ano de 2021, os 4 maiores bancos brasileiros, obterão o maior lucro nominal desde 2006, atingindo R$ 81,63 bilhões (Diário do Nordeste).
A seguir o gráfico comparativo do spread bancário do Brasil com a média mundial:
Fonte: World Bank Open Data
Segundo relatório do IPEA, o Banco Central toma ações anuais para reduzir os spreads dos bancos, procurando reduzir este descompasso com o mundo. Mas discorre que enquanto forem focados somente no âmbito microeconômico, sem considerar as variáveis macroeconômicas, sempre haverá pouca eficácia nos resultados. Outro ponto relevante citado, assim como corroborado por nota do DIEESE, é a postura das elevadas taxas básicas de juros da economia (a Selic) para "equilíbrio" macroeconômico, controlando a inflação - o que inviabiliza a redução dos spreads para patamares menores equivalentes ao do resto do mundo, posto que os bancos tomam a Selic como custo de oportunidade (ou Taxa Mínima de Atratividade), elevando o custo de crédito (IPEA, DIEESE).
Esta discussão sobre equilíbrio entre taxa Selic e inflação é o embate que está mais em pauta no último ano entre o novo governo eleito e Banco Central, portanto extremamente relevante para também imergir em uma discussão atual da lucratividade bancária.
O surgimento das cooperativas de crédito parecia que iria arrefecer o problema dos spreads, mas ainda não foi suficiente. Se os governos e Banco Central pouco estão conseguindo fazer nas últimas décadas quanto à concorrência no setor bancário nacional, ao menos a evolução tecnológica parece que irá ajudar. No curto e médio prazo há uma previsão das fintechs que estão aterrissando em terras nacionais de trazerem um patamar mais agressivo de concorrência aos bancos tradicionais, e consequentemente uma queda nos juros (GPFA). As autoridades monetárias, por sua vez, têm facilitado o ingresso das fintechs, cabe destacar. O DIEESE, todavia, ressalta que apenas as fintechs não resolverão o problema, mas sim medidas punitivas para condutas anticompetitivas do bancos.
Em complemento a este cenário, no Brasil, ainda vigora fortemente a cultura das aplicações em renda fixa. Felizmente a poupança já não vem sendo mais o carro chefe, visto que sua rentabilidade sempre foi menos atrativa, porém demasiadamente popular. Outras opções de CDB, Tesouro Direto ou até mesmo LCIs e LCAs têm se tornado as novas opções de inúmeros investidores iniciantes. Pelo fato da maior parte destas operações de rendas fixas estarem atreladas a um percentual de rendimento do CDI (Certificado de Depósito Interbancário), é natural tomar como parâmetro de Taxa de Captação o rendimento da taxa básica da economia, ou seja, a Taxa Selic - visto que é a equiparação usada para as remunerações do próprio CDI.
Desta forma, com a Selic atualmente ainda lá nas alturas, atuais 13,25% ao ano (após uma comemorada redução de 0,5% tanto pelo governo como pelo próprio Banco Central), um dos debates atuais que se encampa traz a seguinte discussão: esta taxa tão elevada que tem atraído recursos para aplicações de renda fixa também estaria contribuindo para elevar as taxas aos tomadores de empréstimos, mantendo assim o spread continuamente em patamares muito elevados? Segundo o DIEESE, quanto maior a Taxa Selic, maior vem a ser o valor cobrado pelos bancos nas suas taxas de empréstimos.
Este estudo, portanto, pretende analisar se a formação do spread bancário, desde 2011 até os meses atuais, está mais relacionada à taxa de captação, ou à taxa de empréstimos ou mesmo ao comprometimento da renda das famílias brasileiras com o pagamento de juros, através de uma relação defasada entre estas variáveis.
Outro estudo já foi realizado pelo GPFA referente a formação do spread bancário, mas com relacionamento de dados contemporâneos apenas, através da metodologia de regressões simples para o período de 2012 a 2015 (CLIQUE AQUI PARA LER). Este novo estudo, portanto, pretende aprimorar e atualizar trazendo relações defasadas entre os meses das variáveis e com periodicidade temporal muito maior.
As variáveis foram coletadas no SGC (Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central) com valores mensais dentre março de 2011 e abril de 2023, totalizando 12 anos nas análises, sendo estas:
Para realização da análise defasada entre as variáveis, abordou-se a técnica dos Vetores Autorregressivos (VAR). Para tanto, foram realizadas duas diferenças em todas variáveis para obtenção de suas estacionariedades (p-values 0,01 ou menores) via teste ADF (Augmented Dickey-Fuller).
Na sequência analisou-se os critérios de tamanho das defasagens AIC, HQ, SC e FPE, considerando-se os totais de 24, 12 e 6 meses. Os resultados comuns aos três tamanhos temporais foram as defasagens 11, 10, 5 e 3 meses, vindo em sequência a serem testadas. Os resultados mais assertivos, por sua vez, foram os relacionados ao VAR de 5 lags, sendo este o escolhido para o estudo.
A equação do Spread (diferenciado 2 vezes) com seus coeficientes e p-values, assim como o resultado do teste de Causalidade de Granger junto a seus p-values para os testes de hipóteses, estão em sequência:
Variável Dependente | Variável Independente | P-value | Situação |
Spread Operações de Crédito | Taxa Selic - Meta Copom | 0.04487 * | Causa |
Comprometimento da Renda Familiar com Juros | 0.005088 ** | Causa | |
Taxa de Empréstimo | 0.03977 * | Causa |
--- Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1
Conclui-se que o Spread Bancário sofre influências tanto da taxa Selic (Meta do Banco Central) como da Taxa de Empréstimo dos últimos 5 meses, demonstrando que ambas têm peso relevante na composição pelo COPOM. Todavia, nota-se que ambas têm maior força até o terceiro mês de defasagem. Apesar de ambas as taxas constarem na equação da Taxa de Spread, não necessariamente as duas poderiam apresentar significância, pois um peso maior pode ser ofertado a uma ou outra em determinados períodos, principalmente em períodos em que a taxa básica da economia está em níveis muito baixos (como no período inicial da pandemia). Todavia, neste médio prazo analisado de 12 anos, ambas denotaram importância na composição da lucratividade bancária.
Adicionalmente, constatou-se que o comprometimento familiar com juros também influência sua lucratividade (principalmente pelos lags mais distantes, de 3 e 5 meses anteriores), assim como pela sua auto relação da própria variável Spread, observada pelas equações do VAR a validade de uma auto regressão entre a própria variável Spread para todos os lags dos últimos 5 meses passados.
A equação do Comprometimento da Renda (diferenciado 2 vezes) com seus coeficientes e p-values, assim como o resultado do teste de Causalidade de Granger junto a seus p-values para os testes de hipóteses, são vistos a seguir:
Variável Dependente | Variável Independente | P-value | Situação |
Comprometimento da Renda Familiar com Juros | Taxa Selic - Meta Copom | 0.3313 | Não Causa |
Spread Operações de Crédito | 0.00603 ** | Causa | |
Taxa de Empréstimo | 0.0005617 *** | Causa |
--- Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1
Apesar da Taxa Selic do 5º mês passado apontar impacto no comprometimento familiar com juros na matriz do VAR, não foi suficiente para acusar aprovação no teste de Granger (frente a não causalidade das demais defasagens de 1 a 4), portanto não há uma relação direta. Todavia, esse comprometimento é afetado fortemente pelo Spread das Operações de Crédito dos últimos 5 meses (ocasionados pelos lags 1, 4 e 5), possibilitando ratificar que a Selic causa indiretamente também variações no comprometimento das famílias com pagamento de juros (visto compor a equação do Spread). Adicionalmente, todos os 5 lags do comprometimento acusaram uma auto relação em sua série temporal pelos coeficientes do VAR.
A equação da Taxa Selic - Meta Copom (diferenciada 2 vezes) com seus coeficientes e p-values, somado ao resultado do teste de Causalidade de Granger junto a seus p-values para os testes de hipóteses, estão disponíveis a seguir:
Variável Dependente | Variável Independente | P-value | Situação |
Taxa Selic - Meta Copom | Comprometimento da Renda Familiar com Juros | 0.6799 | Não Causa |
Spread das Operações de Crédito | 0.3551 | Não Causa | |
Taxa de Empréstimo | 0.1946 | Não Causa |
--- Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1
Para delineamento de sua Taxa Meta Selic, o Copom não sofre influências em suas reuniões das variáveis Spreads das Operações de Crédito, Taxa de Empréstimo e Comprometimento da Renda Familiar.
Cabe a observação que os lags 2, 3 e 4 da variável Spread apresentou relação de impacto, porém não sendo suficiente para denotar causalidade na consideração dos últimos 5 meses (provavelmente pela forte reprovação do lag 1 e 5). O mesmo ocorreu com a Taxa de Empréstimo, com lags 2 e 3 apresentando causalidade, gerando consequentemente uma aproximação de refutação da hipótese nula na Causalidade de Granger (0,195) mas não o suficiente. Apenas constatou-se uma auto relação entre a própria variável para os últimos 4 meses pelos coeficientes do VAR (exceto o lag 3).
A equação da Taxa de Empréstimo (diferenciada 2 vezes) com seus coeficientes e p-values, somado ao resultado do teste de Causalidade de Granger junto a seus p-values para os testes de hipóteses, estão disponíveis a seguir:
Variável Dependente | Variável Independente | P-value | Situação |
Taxa de Empréstimo | Comprometimento da Renda Familiar com Juros | 0.0006492 *** | Causa |
Spread das Operações de Crédito | 0.03252 * | Causa | |
Taxa Selic - Meta Copom | 0.02765 * | Causa |
--- Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1
Em sentido oposto, a Taxa de Empréstimo sofre influência das defasagens de todas as demais variáveis. A única situação conflitante foi a causalidade da variável Spread frente sua evidenciação de causalidade no teste de Granger mas sem coeficientes aprovados na matriz VAR. Isso pode ter ocorrido devido a alguma multicolinearidade (não possível de ser eliminada em regressões com VAR) com a variável Taxa de Aplicação ou Taxa Selic. Para comprovar a causalidade, rodou-se um segundo VAR apenas entre ambas variáveis, conforme visto a seguir:
Finalmente, constata-se que o Spread é importante e contribuí para as previsões das Taxas de Empréstimos, com lags 2, 3, 4 e 5 aportando significância.
Referências: Banco Central, World Bank Open Data, IPEA, GPFA (a), GPFA (b), XP Expert, DIEESE, Diário do Nordeste, Infomoney, Senado Notícias, Suno
Como citar este estudo? (padrão ABNT)
HENRIQUE, Daniel Christian; AGUIAR-FILHO, Ivan Aune. Maior spread bancário do mundo: influenciado pela taxa Selic, taxa de empréstimos ou comprometimento da renda familiar com juros? 2023. Desenvolvido por GPFA - Grupo de Pesquisa em Finanças Analíticas. Disponível em: https://www.gpfa.com.br/informes/maior_spread_bancario_mundial. Acesso em: (data de seu acesso ao site).